Durante toda a semana, estamos acompanhando um acalorado debate sobre o Projeto de Lei (PL) nº 1904/2024, o qual equipara o crime de aborto com gestação acima de 22 semanas ao homicídio. O mais interessante é que, além de tal Projeto de Lei retroceder juridicamente na proteção ao direito à vida, os “especialistas”, sejam prós ou contra à pauta, demonstram um total desconhecimento sobre o texto da lei. Surge, então, as seguintes indagações: como apoiar algo sem ler o teor? Como criminalizar algo que já é crime?
As respostas às arguições acima são simples: os “especialistas” estão afetos aos efeitos dunning-kruger, um fenômeno pelo qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais que outros melhores preparados e, com isso, apontam opiniões desconexas à realidade, uma vez que o ponto mais importante de uma discussão é a premissa e, neste caso específico, é apresentada erroneamente, pois o aborto não é o problema, mas sim a consequência de um problema muito maior, que é a sociedade não mais valorizar a vida.
Criminalizar um crime?
Da mesma forma, discutir a criminalização de um crime que possui previsão no Código Penal serve apenas para a direita continuar sendo a pavimentadora da agenda esquerdista, ou seja, em breve espaço de tempo será o fundamento para que aborto realizado abaixo das 22 semanas de gravidez não seja mais crime.
Caso o Projeto de Lei em discussão realmente quisesse alterar a Legislação e agravar a previsão legal do crime, deveria ser redigido da seguinte forma: “Da concepção até o fim da gestação, o aborto equipara-se ao crime de homicídio”. A interrupção da gravidez deve ser crime em qualquer condição e não deve haver brecha, como, por exemplo, quando se lê que há uma permissão para o aborto antes de 22 semanas de gestação.
Pauta conservadora
Muitos cristãos estão empenhados na aprovação do Projeto de Lei, alegando ser fundamental para pauta conservadora, pois é elaborado por um protestante, porém muitos dos apoiadores nem sequer deu-se o trabalho de ler o referido projeto.
O primeiro dever do cidadão é desconfiar e verificar se não há “pegadinha” no projeto e, com o mínimo esforço, descobrirá que sempre tem algum “jabuti” enfiado na redação do Projeto de Lei que, como muitos outros PL´s, somente após a entrada em vigor da lei, o cidadão toma ciência da intenção da lei
Pegadinha
O problema desse projeto, principalmente ao cristão, é a “pegadinha” implícita existente: não é o que está escrito, mas justamente o que não está escrito, ou seja, o que está subentendido.
Ao equiparar a interrupção da gravidez acima de 22 semanas ao homicídio, permitirá que apoiadores pró-aborto argumentem que o aborto antes das 22 semanas é permitido. Quando se cria um recorte temporal na lei (22 semanas), de um lado se estará agravando e de outro legalizando o fato. Dessa forma, portanto, ao contrário do senso, gravidez abaixo de 22 semanas presumir-se-á que não há viabilidade fetal.
A verdade é que não devem existir exceções ao crime de aborto, uma vez que a lei já prevê excludentes de punibilidade (continua sendo crime, mas não é punido em certas circunstâncias) e muito menos perder tempo discutindo que quem aborta terá a pena maior ou menor que o estuprador. Para isso, é suficiente analisar qual o perfil de quem provoca aborto no Brasil. Em que pese a repugnância do crime de estupro, certamente não são tais vítimas que geram o maior índice dos números de aborto.
Que fique claro: o artigo 128 do Código Penal autoriza o aborto quando a gravidez é resultante de estupro.
Destaca-se, agora, o mais absurdo na redação do Projeto de Lei que, por desconhecimento ou silêncio proposital nas opiniões dos “especialistas”, omitem-se em debater sobre o perdão judicial a ser implementado se aprovado o PL :
“O juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”.
Portanto, nota-se que os defensores deste Projeto, visto como a salvação contra as apoiadoras pró-abortistas, realmente não leram o texto a ser aprovado, pois é um projeto de liberação da interrupção da gravidez, ou melhor, a despenalização do aborto.
Hipocrisia
A falta de seriedade daqueles que estão discutindo o teor desse projeto deixa evidente a ignorância e total desconhecimento do assunto ou a plena hipocrisia, seja dos políticos, da mídia e até de alguns ministros de tribunais superiores.
De forma implícita, o projeto despenaliza o aborto, pois, em um parágrafo, equipara-o ao crime de homicídio se ocorrido após 22 semanas de gravidez e, no parágrafo seguinte, permite que o juiz possa mitigar ou suspender a pena quando entender que a pessoa que interrompeu a gravidez está sofrendo demais por seu ato.
Mesmo sendo um projeto da bancada “didireita”, o governo liberal do atual Presidente e sua bancada irão acompanhar a votação e aprovarão mais uma aberração jurídica para que, em um futuro próximo, os mesmos que hoje apoiam esse projeto estarão criticando as decisões dos tribunais, concedendo perdão judicial a quem interromper a gravidez, decretando de vez, assim, o fracasso de nossa sociedade.
*Sérgio Augusto Costa da Silva é Advogado, Bacharel em Teologia, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.
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