O tarifaço implementado pelo presidente Donald Trump, sob o argumento de proteger a economia americana e reduzir o déficit comercial, começa a mostrar sinais de que pode produzir exatamente o efeito contrário ao pretendido.
O relatório mais recente da Organização Mundial do Comércio (OMC) revela que o comércio global deverá crescer 2,4% em 2025, e que o impacto das tarifas tende a se manifestar de forma retardada, com um potencial efeito destrutivo no próximo ano.
Inicialmente, o protecionismo trumpista pareceu inócuo. A ausência de retaliações imediatas e a forte expansão do comércio entre países emergentes, especialmente impulsionada pelos investimentos em Inteligência Artificial, mascararam os efeitos negativos das barreiras tarifárias.
As exportações globais, particularmente as asiáticas, cresceram em ritmo superior ao esperado, e a movimentação de mercadorias atingiu níveis recordes no primeiro semestre de 2025.
Movimento artificial
Esse comportamento, contudo, foi resultado de um movimento artificial de antecipação de compras pelos importadores americanos, que formaram estoques robustos antes da entrada em vigor das tarifas mais pesadas.
Segundo a OMC, os efeitos de choques de oferta, como o causado por tarifas, são sentidos de forma mais lenta, à medida que os estoques vão sendo consumidos. Isso explica a sensação inicial de estabilidade e o atraso na percepção dos danos ao comércio internacional.
A estratégia de Trump baseia-se na crença de que tarifas poderiam compensar o corte de impostos a grandes empresas e aos mais ricos. Porém, os números indicam que os Estados Unidos caminham para uma dupla perda: menor competitividade externa e queda nas receitas tarifárias.
A previsão é de que as importações dos Estados Unidos retraiam 4,9% neste ano, devendo cair ainda mais em 2026, enquanto as exportações também devem encolher, sinalizando que o comércio americano se contraiu em vez de se fortalecer.
Problemas estruturais e efeito bumerangue
Em essência, o governo Trump tenta corrigir o déficit comercial atacando o sintoma, e não a causa. O verdadeiro problema é estrutural: os Estados Unidos consomem muito mais do que poupam.
Além disso, o “efeito bumerangue” do tarifaço se torna cada vez mais evidente. Ao taxar insumos e bens intermediários importados, Trump aumentou os custos de produção das próprias empresas americanas, enfraquecendo sua competitividade frente aos concorrentes asiáticos e europeus.
O que se pretendia como estímulo à indústria nacional acabou se convertendo em um freio à produtividade e à inovação.
Mundo aprende a contornar dependência dos EUA
Outro fator relevante é que o comércio internacional encontrou novas rotas e parceiros. O crescimento das trocas entre economias emergentes, o chamado comércio Sul-Sul, saltou 8% em valor neste ano até o presente momento, impulsionado especialmente por Ásia, África e América do Sul. Isso demonstra que o mundo vem aprendendo a contornar a dependência dos EUA e que as políticas de Trump estão, na prática, acelerando a descentralização do poder econômico global.
A ironia é que, ao tentar conter o avanço da China, Trump acabou estimulando sua adaptação. O país asiático viu suas exportações crescerem 12% no primeiro semestre de 2025, com destaque para produtos ligados à Inteligência Artificial, um dos setores mais visados pela política tarifária americana.
Pequim redirecionou suas vendas para outros países da Ásia e África, fortalecendo cadeias produtivas regionais e reduzindo a vulnerabilidade ao mercado americano.
Mundo Multipolar
Esse redesenho do comércio global marca um novo capítulo da geoeconomia contemporânea. A tentativa dos EUA de erguer uma muralha tarifária está, paradoxalmente, consolidando um mundo mais multipolar, onde o dinamismo econômico migra para o Oriente e para o Sul global. Países como Brasil e Chile, por exemplo, estão se beneficiando do aumento da demanda por infraestrutura digital e equipamentos de nuvem, resultado indireto da guerra comercial promovida por Trump.
No plano doméstico, o tarifaço também ameaça a estabilidade macroeconômica dos EUA. O aumento dos preços de bens importados pressiona a inflação, forçando o Federal Reserve a manter juros elevados por mais tempo. Isso encarece o crédito, freia o consumo e inibe o investimento, um cenário perigoso para uma economia que depende do dinamismo interno para sustentar o crescimento.
Politicamente, Trump pode explorar os efeitos retardados das tarifas como uma narrativa eleitoral de “proteção nacional”, mas o impacto sobre a renda real das famílias e sobre o custo de vida tende a corroer a popularidade dessa estratégia no médio prazo. A base industrial que ele pretende salvar pode, ironicamente, se tornar uma das maiores vítimas do seu próprio protecionismo.
Em síntese, o tarifaço de Trump vem saindo pela culatra. Ao tentar restaurar uma supremacia industrial anacrônica, os Estados Unidos estão se isolando de um comércio global cada vez mais diversificado, tecnológico e interdependente. O resultado não é a grandeza prometida, mas um país menos competitivo, mais caro e com uma economia mundial que vem aprendendo a prosperar sem depender tanto do império americano.

( * ) Farid Mendonça Júnior
Economista, advogado, administrador e Assessor Parlamentar no Senado Federal
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