Manaus (AM) – Uma decisão judicial determinou a remoção de 40 famílias indígenas da etnia Kokama de um lote localizado na AM-010, rodovia que conecta Manaus ao município de Itacoatiara (AM). A ordem afeta a comunidade Uka-Tap+Ya e foi emitida em favor da empresa Amazonas Empreendimentos Ltda., cujos proprietários são Phelippe Daou Júnior e Cláudia Maria Daou Paixão e Silva, que também controlam a Rede Amazônica, afiliada da TV Globo no Amazonas.
A liminar de reintegração de posse foi concedida no dia 8 de janeiro pelo juiz Rosselberto Himenes, da 8ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho de Manaus, estipulando um prazo de 48 horas para que os indígenas desocupassem a área. A primeira citação à comunidade ocorreu em 21 de março, com uma segunda notificação em 15 de abril.
Representantes da comunidade relataram dificuldades financeiras para contratar assistência jurídica.
Lote 66
O epicentro do conflito reside em uma parcela do lote 66, ocupada pela Comunidade Indígena Uka-Tap+Ya, situada no Ramal Água Branca II, quilômetro 35 da referida rodovia estadual.
O magistrado justificou a decisão alegando o cumprimento dos requisitos legais para a reintegração, baseando-se em certidão narrativa e registros fotográficos e audiovisuais que indicariam a invasão da propriedade. A empresa também apresentou um Boletim de Ocorrência registrado em agosto, reportando a suposta invasão em setembro de 2024, com alegações de expulsão de um caseiro e construção de moradias irregulares.
Negativa de invasão
Contrariando a versão da empresa, a cacique da comunidade Uka Tap+Ya, Elly de Oliveira Cordeiro, afirma categoricamente que os cerca de 40 núcleos familiares não são invasores e negam qualquer ato de violência contra funcionários da empresa. Segundo a liderança indígena, a comunidade possui documentação do Incra, contestando a alegação de invasão de uma terra que consideram devoluta e sem atividades prévias.
A cacique também refuta a acusação de expulsão de caseiro, afirmando ter provas que desmentem essa alegação.
Documentos
A disputa ganha contornos mais complexos com a alegação de sobreposição de terras. Documentos obtidos pela reportagem da Revista Cenarium revelam que a Comunidade Indígena Uka-Tap-Y está situada no lote 69, adjacente ao lote 66 da empresa.
Sobreposição de área
A área da comunidade, com aproximadamente 22 hectares, abriga também idosos, crianças e pessoas com deficiência. A cacique Elly de Oliveira Cordeiro aponta que a raiz do conflito está na sobreposição de uma área da comunidade, registrada no Cadastro Ambiental Rural (CAR) emitido pelo Incra em agosto de 2024, com uma parte da propriedade da Amazonas Empreendimentos Ltda. Essa área de sobreposição inclui residências e plantações de agricultura familiar em sistema de hidroponia.
Um áudio de um servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em Manaus, ao qual a reportagem teve acesso, confirma a sobreposição no lote 66 e informa que a reintegração de posse está prevista para ocorrer na próxima quarta-feira, 23 de abril, com uma operação das Forças de Segurança marcada para as 5h da manhã. O servidor sugere que os moradores deixem o local voluntariamente para evitar confrontos.
Crítica à Funai
A cacique Elly de Oliveira Cordeiro critica a Funai por sua suposta omissão em contestar judicialmente a reintegração de posse, questionando a mobilização de grande aparato policial por uma alegada pequena área de sobreposição. Ela afirma que o único documento apresentado pela empresa é um contrato de compra e venda em cartório, que, segundo ela, conflita com o CAR da comunidade.
Documentos obtidos pela reportagem mostram a citação das lideranças indígenas sobre a ordem judicial em 21 de março. Uma nova determinação judicial, datada de 15 de abril, ordenou o oficial de justiça a proceder com a reintegração, citando os indígenas como “invasores do imóvel”. Um ofício do oficial de justiça datado de 17 de abril atesta o não cumprimento da ordem de desocupação voluntária.
Denúncia ao MPF
O Movimento Social do Patriarcado Cacicado Geral do Povo Indígena Kokama do Brasil (MPKK) formalizou uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) em 21 de março, alegando possíveis irregularidades no processo e relatando supostas ameaças e truculência por parte da Polícia Militar. Até o momento da publicação desta reportagem, o MPF não havia se manifestado. A Funai e a empresa Amazonas Empreendimentos também foram procuradas para comentar o caso, mas não houve retorno.
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