Dois anos se passaram desde o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips no Vale do Javari, no Amazonas. A comoção com o crime e a busca por respostas mobilizaram a comunidade internacional, lançaram luz sobre os desafios na região e impulsionaram a luta por justiça e segurança para os povos indígenas.
O palco do crime: O Vale do Javari, uma terra em disputa e esperança
O Vale do Javari, localizado no extremo oeste do Amazonas, é uma terra rica em biodiversidade e abriga o maior número de povos indígenas isolados do planeta. No entanto, a região também é palco de frequentes conflitos entre indígenas, madeireiros, garimpeiros e pescadores ilegais.
- Garimpo predatório: A busca por ouro e outros minerais preciosos atraem garimpeiros ilegais para a região, causando danos ao meio ambiente e poluindo os rios com mercúrio.
- Pesca predatória: A pesca predatória é outro problema grave no Vale do Javari, ameaçando a subsistência dos povos indígenas e a reprodução de diversas espécies de peixes.
- Conflito por terras: Os povos indígenas do Vale do Javari lutam pela demarcação e proteção de suas terras ancestrais, enfrentando a resistência de madeireiros, garimpeiros e grileiros.
Bruno Pereira e Dom Phillips
Bruno Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), era um profundo conhecedor da região e um incansável defensor dos direitos dos povos indígenas. Dom Phillips, jornalista freelancer experiente, dedicava-se a documentar os conflitos e os desafios enfrentados pelos indígenas do Vale do Javari.
O crime e a comoção internacional:
Em 5 de junho de 2022, Bruno e Dom desapareceram durante uma expedição de pesquisa no Vale do Javari. Dias depois, seus corpos foram encontrados e a brutalidade do crime chocou o Brasil e o mundo.
- Mobilização da comunidade internacional: A comunidade internacional se uniu em protestos e cobranças por justiça. Governos, ONGs e personalidades públicas exigiram investigações rigorosas e punição aos responsáveis.
- Pressão sobre o governo brasileiro: O caso Bruno e Dom colocou o governo brasileiro sob forte pressão para combater o desmatamento, o garimpo e outras atividades ilegais na Amazônia, além de garantir a segurança dos povos indígenas.
Investigações em andamento:
- MPF à frente do caso: O Ministério Público Federal (MPF) atua desde o primeiro dia nas investigações, buscando identificar todos os envolvidos no crime e esclarecer as motivações.
- Denúncias e prisões: O MPF denunciou 8 indivíduos pelos crimes de duplo homicídio qualificado, ocultação de cadáver, corrupção de menor e outros delitos. Cinco dos denunciados já estão presos.
- Processos em curso: O processo judicial contra os acusados continua em andamento. A família de Dom Phillips cobra celeridade nas investigações e punição exemplar para os responsáveis.
Desafios e lutas pela justiça
- Combate à impunidade: A principal luta é garantir que os responsáveis pelo crime sejam punidos com rigor. A família de Dom Phillips e a sociedade civil cobram celeridade nas investigações e um julgamento justo.
- Segurança no Vale do Javari: A segurança dos povos indígenas e dos defensores dos direitos humanos no Vale do Javari ainda é precária. É necessário um compromisso do governo para combater as atividades ilegais e garantir a proteção da região.
- Demarcação de terras indígenas: A demarcação e proteção das terras indígenas são fundamentais para garantir a sobrevivência dos povos indígenas e preservar a Amazônia.
- Combate ao desmatamento e ao garimpo: O desmatamento e o garimpo ilegais continuam a devastar a Amazônia e colocar em risco os povos indígenas. É necessário um combate firme e eficaz a esses crimes
Memória viva e luta por um futuro melhor:
- Homenagens e ações de conscientização. Diversas iniciativas foram criadas para manter viva a memória de Bruno e Dom e homenagear sua luta. A família de Dom Phillips e a sociedade civil organizam eventos, campanhas e projetos em memória dos dois profissionais.
- Engajamento da sociedade civil: A sociedade civil se mobiliza em prol da justiça e da segurança no Vale do Javari. ONGs, movimentos sociais e comunidades indígenas participam de ações, monitoramento e fiscalização.
- Impacto na política ambiental: O caso Bruno e Dom gerou forte impacto na política ambiental brasileira, pressionando o governo a tomar medidas mais efetivas para combater o desmatamento e proteger a Amazônia.
O legado de Bruno e Dom:
- Defesa dos povos indígenas: Bruno e Dom dedicaram suas vidas à defesa dos direitos dos povos indígenas e à luta contra as injustiças na Amazônia. Seu legado inspira a luta por um futuro mais justo e sustentável para a região.
- Importância da imprensa: O caso Bruno e Dom ressalta a importância da imprensa livre e independente para denunciar crimes, defender os direitos humanos e dar voz aos mais vulneráveis.
- Mobilização da comunidade internacional: O crime mobilizou a comunidade internacional em torno da defesa da Amazônia e da luta contra a impunidade.
Atuação da Justiça
No âmbito criminal, são três frentes principais de atuação. A primeira delas é a ação penal contra os executores dos crimes. Amarildo da Costa Oliveira (conhecido pelo “Pelado”), Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”) e Jefferson da Silva Lima (“Pelado da Dinha”) foram denunciados pelo MPF cerca de um mês e meio depois dos assassinatos, em julho de 2023, por duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver. Em outubro de 2023, após a análise das alegações finais, a Justiça Federal em Tabatinga pronunciou os réus nos exatos termos da denúncia do MPF. Isso significa dizer que o juiz concordou com as alegações do Ministério Público Federal e enviou o processo para julgamento pelo Tribunal do Júri.
O procurador da República Guilherme Diego Rodrigues Leal, atual responsável pelo caso, explica que o processo do júri tem duas etapas.
“Na primeira fase ocorre o juízo de formação de culpa perante um juiz federal e, na segunda, ocorre o julgamento da causa pelo conselho de sentença, que são os jurados. Na primeira fase, o juiz não diz se o réu é culpado ou inocente, mas julga se existem elementos mínimos para que o caso seja submetido ao Tribunal do Júri. No caso concreto, houve a decisão de pronúncia, que marca o final da primeira fase. Então, o processo já está rumo à segunda fase”, diz ele.
Julgamento
Amarildo e Jefferson serão julgados por homicídio por motivo torpe e mediante emboscada no caso de Bruno e por homicídio mediante emboscada e para assegurar a impunidade do crime anterior no caso de Dom, bem como pela ocultação dos cadáveres das vítimas. Já Oseney irá a júri popular apenas pelos homicídios. Os réus recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e, se a pronúncia for confirmada, o processo irá a julgamento pelo plenário do Tribunal do Júri.
Denúncias
Em abril de 2024, em outro inquérito, o MPF denunciou cinco pessoas por ocultação de cadáver, crime previsto no art. 211 do Código Penal. Segundo a acusação, Eliclei Costa de Oliveira, Amarílio de Freitas Oliveira, Otávio da Costa de Oliveira, Edivaldo da Costa de Oliveira (parentes dos réus Amarildo e Oseney) e Francisco Conceição de Freitas ajudaram os executores a esconderem os corpos de Bruno e Dom na mata, na tentativa de livrá-los do crime. Quatro desses denunciados, além de Amarildo e Jefferson, ainda convenceram um jovem com menos de 18 anos de idade a participar do crime e vão responder por corrupção de menor, previsto no art. 244-B da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). O MPF aguarda que a denúncia seja recebida pela Justiça.
Há ainda um terceiro inquérito em andamento, que busca apurar a existência de possíveis mandantes dos assassinatos. A investigação tramita sob sigilo e está em fase de diligências finais. Além disso, em inquérito que é desdobramento do caso, o MPF denunciou Ruben Dário da Silva Villar, conhecido como “Colômbia”, por organização criminosa para a pesca predatória no Vale do Javari (AM).
Segurança no Vale do Javari
Localizado nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no oeste do Amazonas, o Vale do Javari tem cerca de 8,5 milhões de hectares. Habitado por 26 povos originários (Kanamari, Kulina Pano, Matis, Matsés, Korubo, Tsohom Djapá, Marubo, entre outros), o território ainda concentra o maior número de indígenas em isolamento voluntário do planeta. A área protegida sofre pressões e ameaças constantes de madeireiros, garimpeiros, da pesca e da caça ilegais, além de outras atividades criminosas, cenário que ficou ainda mais evidente com a morte de Bruno e Dom.
“Há diversos procedimentos relacionados ao Vale do Javari, não apenas sob a ótica criminal, mas também sob a ótica de garantia de direitos individuais e da qualidade de vida da população residente no local”, explica Guilherme Leal.
Um dos procedimentos instaurados como desdobramento dos crimes tem o objetivo de fiscalizar, de forma contínua, a adoção de providências pelas autoridades responsáveis para viabilizar a melhoria de condições das Bases de Proteção Etnoambiental (Bape) localizadas na terra indígena. Em recomendação enviada à Funai e ao Ministério da Justiça em julho de 2022, logo após os crimes, o MPF pediu a estruturação e modernização das bases, além de equipamentos, equipe e segurança necessários para o adequado funcionamento. O órgão atua, ainda, para garantir saneamento básico ao povo indígena Kanamari.
“O MPF tem feito um acompanhamento periódico, com visitas regulares ao Vale do Javari, com objetivo não só apuratório para o caso Bruno e Dom, mas também para coibir, verificar e investigar outras eventuais situações e irregularidades que ocorram na região”, conclui o procurador.
Quem eram Bruno e Dom?
Servidor de carreira da Funai e um dos maiores especialistas em indígenas em isolamento voluntário do Brasil, Bruno Pereira estava licenciado do órgão desde 2019 e trabalhava como consultor para a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Segundo a organização, ele recebia constantes ameaças de garimpeiros, madeireiros e pescadores ilegais por sua atuação em defesa dos povos tradicionais e do meio ambiente da região.
Já Dom Phillips era um veterano na cobertura internacional e colaborava com o jornal inglês The Guardian, um dos mais respeitados órgãos de imprensa do mundo. Também trabalhou para veículos como Washington Post, The New York Times e Financial Times. Escreveu inúmeras reportagens denunciando atividades criminosas na região amazônica e desmatamento. Com mais de 15 anos de Brasil e ampla experiência na área, ele estava no Vale do Javari entrevistando indígenas e ribeirinhos para um livro sobre a Amazônia.
- Portal Meu Amazonas com informações do MPF