Manaus–AM – Com 1.274 candidatos, a Amazônia Legal registra o maior número de candidaturas indígenas da história nas eleições municipais. Em 2016, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) realizou o primeiro pleito para prefeitos e vereadores com o registro da etnia dos candidatos, foram 794 nomes, o que representa um aumento de 60% neste ano. Já comparado a 2020, quando havia 1.112 candidatos indígenas, o crescimento em 2024 é de 15%.
InfoAmazônia
A InfoAmazonia analisou o perfil e o crescimento da presença dos povos originários nas eleições municipais. Dentre as candidaturas em 2024, 96% (1.221) são para o cargo de vereador, apenas 1,5% (19) para prefeito e 2,5% (34) para vice-prefeito.
A idade média dos candidatos é de 40 anos, e a maioria, 43,5%, possui Ensino Médio completo, enquanto 20% têm Ensino Superior.
As mulheres indígenas continuam aumentando sua participação nas disputas eleitorais.
De 2016 para 2024, o crescimento foi de 130%, passando de 192 candidaturas para 441. Apesar disso, o eleitor ainda tem mais opções masculinas, que representam 66% dos candidatos, com 833 nomes neste ano. Comparado a 2016, o número de homens candidatos não cresceu tanto quanto o de mulheres, registrando um aumento de 38%.
Candidatas mulheres indígenas aumentam nas eleições, mas homens ainda são maioria
Neste ano, 65,4% dos candidatos indígenas são homens e 34,6% são mulheres.
Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), afirma que as populações indígenas estão ingressando na vida política por dois motivos: o engajamento das organizações em espaços políticos, como as manifestações que ocorrem em Brasília na luta pela demarcação de terras, e o contexto nacional, em que seus direitos estão sendo ameaçados por parlamentares, especialmente após a presidência de Jair Bolsonaro.
“Desde 2017, há um movimento indígena organizado apoiando candidaturas, trabalhando diretrizes de atuação política, incentivando esses candidatos. Nós necessitamos de parlamentares do nosso lado, mais próximos da nossa realidade, alinhados com as nossas pautas”, afirma Karipuna.
A Apib tem apoiado a participação de lideranças indígenas nas eleições municipais e nacionais.
Sonia Guajajara, que era coordenadora executiva da instituição, decidiu se candidatar à vice-presidência na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) em 2018. Nas eleições de 2022, foi eleita deputada federal, mas abdicou da cadeira para assumir o cargo de ministra do primeiro Ministério dos Povos Indígenas, na atual gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além da candidatura de Guajajara em 2018, a Apib também atuou apoiando indígenas nas eleições municipais de 2020 e criou a Campanha Indígena, um projeto que divulga os nomes dos candidatos e faz uma articulação entre lideranças para garantir mais votos. Em 2024, a campanha apresenta os candidatos indígenas em um único site, que reúne o perfil de cada um deles.
O tema deste ano é “Aldear a política é nosso marco ancestral”, em referência à tentativa do Congresso de implementar o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
“O movimento dentro desse formato se estruturou nas eleições de 2018, principalmente na chapa da Sonia Guajajara. Ali, começou o trabalho da Campanha Indígena, com a intenção de ampliar a nossa representação”, explica Karipuna.
Inspirada pelos mandatos de Sonia Guajajara (PSOL) e Célia Xakriabá (PSOL), a candidata Nice Tupinambá tenta o cargo de vereadora no município de Belém, capital do Pará. Em 2022, ela também foi candidata à deputada federal, mas não se elegeu.
“Nós temos representantes na política indígena [atuando] na Amazônia, mas eles não têm repercussão nem projeção, como têm outras pessoas que estão atuando fora [da Amazônia], como a Sonia e a Célia. Então, falta uma candidatura, um nome indígena da Amazônia, que defenda o nosso bioma, e a gente não tem isso ainda”, diz Nice.
Propostas
Uma das principais propostas de Nice é o combate à desigualdade de gênero. Em seu plano de ações, ela propõe a reserva de vagas em creches para crianças com mães solteiras e cotas para mulheres em processos seletivos das secretarias municipais e empresas terceirizadas. Ela afirma que sente uma receptividade significativa por parte dos eleitores, principalmente em bairros considerados periféricos de Belém.
“Quando eles [eleitores] me veem de cocar, eles respeitam muito, querem tirar fotos, dizem que indígena precisa votar em indígena. Então, nesse sentido, a acolhida está boa, vejo que as pessoas estão mais conscientes de que a gente [indígenas] foi muito injustiçado durante a história do país e está na hora de a gente tomar conta dos espaços”, afirma.
Candidaturas à direita
O MDB e o PT têm o maior número absoluto de candidaturas indígenas na Amazônia, com 127 e 121, respectivamente. Em seguida, está o Republicanos com 96, o União com 90 e a Rede Sustentabilidade com 86.
O PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, conta com 47 candidatos indígenas nesta eleição.
MDB e PT têm maior número de candidaturas indígenas na Amazônia
Juntos, os dois partidos representam 1 a cada 5 candidatos na eleição municipal deste ano.
Uma das preocupações do movimento indígena é o alinhamento de algumas candidaturas com partidos considerados de direita. Kleber Karipuna afirma que isso já havia sido observado nas últimas eleições que a Apib tenta explicar e conscientizar sobre o que significa a filiação a partidos que não estão historicamente a favor das pautas indígenas.
“Com certeza isso precisa ser trabalhado e discutido dentro do movimento. Para a gente, as candidaturas em partidos progressistas são prioritárias. Mesmo assim, a gente também avalia o apoio a candidatos em partidos mais ao centro, quando são pessoas no movimento indígena ativamente, participando e representando a sua comunidade”, explica Karipuna.
O sociólogo e coordenador do PSOL em Roraima, Well Leal, afirma que as discussões ideológicas sobre os partidos não são uma prioridade nos debates locais, mesmo entre as candidaturas indígenas. Além disso, Leal avalia que, ao menos em Roraima, há outro fator que interfere na escolha dos partidos: a evangelização.
“Existem indígenas cristãos que defendem a pauta indígena, mas também existem comunidades inteiras convertidas aos neopentecostais e que seguem as regras das igrejas, incentivadas por pastores que defendem o bolsonarismo. Então, a gente tem indígena de direita e indígena conservador”, explica Leal.
Para o sociólogo, esse movimento à direita de alguns candidatos deverá ter um impacto a longo prazo. Ele avalia que essa posição poderá ter efeitos negativos, pois as decisões tomadas por esses partidos não trarão cenários favoráveis aos povos tradicionais, uma vez que não estão alinhados com os direitos indígenas.
Dados da reportagem:
Como analisamos as candidaturas indígenas na Amazônia Legal? Nesta reportagem, analisamos as candidaturas nas eleições municipais de 2016, 2020 e 2024, anos em que os dados de cor e raça de candidatos são disponibilizados pelo TSE. A análise incluiu municípios que fazem parte da Amazônia Legal e usou os limites territoriais disponibilizados pelo IBGE. Para reforçar nosso compromisso com a transparência e garantir a replicabilidade das análises, a InfoAmazonia disponibiliza os dados nesta pasta. Esta reportagem foi produzida pela Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com o apoio do Instituto Serrapilheira. Texto: Jullie Pereira Análise de dados: Renata Hirota Visualização de dados: Carolina Passos Edição: Carolina Dantas Coordenação de dados: Thays Lavor Direção editorial: Juliana Mori Crédito: Jullie Pereira – InfoAmazonia* *a autorização para republicação do conteúdo se dá mediante publicação na íntegra, com crédito e redirecionamento (link) para a publicação original. O InfoAmazonia não se responsabiliza por alterações no conteúdo feitas por terceiros. |
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