Manacapuru (AM) – Na guerra contra o fogo, os primeiros soldados a entrar em campo no Amazonas não vestem farda nem usam capacete. Vestem memória. Na comunidade indígena Tururukari-uka, às margens da AM-070, em Manacapuru, o combate às chamas sempre foi feito com o que se tinha — sabedoria ancestral, coragem e pulmões expostos à fumaça.
Agora, eles recebem reforço. No último sábado (12/04), o Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM) certificou 18 indígenas da etnia Kambeba no curso de Brigada de Incêndio Florestal.
Pela primeira vez, o conhecimento técnico chega para somar com o tradicional, numa tentativa de preparar a aldeia para o período de estiagem que começa em junho — quando o fogo, quase sempre criminoso, se espalha como se tivesse asas.
Segundo o comandante-geral do CBMAM, coronel Oreliso Muniz, a ação faz parte de uma estratégia do Governo do Estado para reduzir os danos provocados pelos incêndios florestais. Mas quem vive no chão da mata sabe que a floresta não espera planejamento: ela queima todos os anos, em silêncio e desespero.
“Eles têm o material certo, mas às vezes usam a técnica errada. Nosso papel é mostrar como fazer direito, pra diminuir o tempo de resposta”, explicou o comandante Emerson Silva, da guarnição de Manacapuru. Ele reconhece: quem mais entende da floresta são os que vivem dentro dela.
Incêndio de 2024
A lembrança ainda é recente. Em 2024, a aldeia enfrentou 23 dias seguidos de fogo. Sem máscaras. Sem luvas. Sem descanso.
“Brigamos com o inimigo número um. Foi só na força e na coragem. Hoje, esse curso nos dá técnica. Antes, era só fé e resistência”, contou Gelson Silva, presidente da Associação Tururukari-uka.
A capacitação durou três dias e somou 20 horas entre aulas teóricas e práticas. Ao todo, 18 indígenas participaram, mas o aprendizado se espalhará entre as 12 famílias da aldeia — onde vivem 58 pessoas. Numa cultura onde o saber é coletivo, o treinamento também será.
Para o tuxaua Francisco Uruma, a maior lição foi o cuidado com o próprio corpo.
“Aqui, muita gente queima mata pra tirar madeira. A gente pediu esse curso porque queria entender como proteger nossa terra… e também a nós mesmos”, disse ele, com a clareza de quem vê o fogo não como fenômeno natural, mas como ameaça planejada.
Na Amazônia, a linha entre o combate e o abandono é tênue. Quando o Estado chega, às vezes é tarde. Mas, desta vez, ao menos chegou. E encontrou um povo que nunca deixou de lutar.
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