Manaus–AM – Há mais de um século, nos salões do Ideal Clube, em pleno Carnaval de 1915 em Manaus, a vida da musicista Ária Ramos acabou interrompida aos 18 anos. Sua partida trágica, marcada por um tiro, desencadeou um enigma que desafiou o tempo e alimentou o imaginário da sociedade manauara.
Ao longo dos anos, cercada por narrativas fantasiosas e versões obscuras, a história de Ária Ramos transcendeu os limites do tempo, transformando-se em uma lenda que ainda ecoa na história da cidade.
A narrativa mais conhecida contava que ocorreu um crime passional, com um jovem apaixonado atirando em Ária por ciúmes. No entanto, a verdade, revelada por meio do processo judicial encontrado há alguns anos no “Arquivo Central Júlia Mourão de Brito” do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), é bem diferente.
Desvendando a Verdade
O processo, que integra o acervo histórico do TJAM, foi encontrado durante a catalogação de documentos do século XIX por uma equipe de estudantes de pós-graduação em História da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Com base documental, o analista judiciário do TJAM e mestre em História pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Juarez Clementino da Silva Júnior, estudioso do caso, escreveu o artigo “Desmistificando o Caso Ária Ramos (1915)”, que lança luz sobre os fatos.
Um disparo acidental e a tragédia
Ao contrário do que se imaginava, Ária não foi vítima de um crime passional. A peça processual, com data de autuação em 29 de abril de 1915, revela que o autor do disparo foi o jovem Mário Travassos, de apenas 16 anos e que não teria matado por amor, mas por acidente.
Em seu depoimento, Mário narra que, na madrugada de Quarta-feira de Cinzas, durante o baile da agremiação “Paladinos da Galhofa” no Ideal Clube, estava procurando suas luvas quando encontrou um revólver em uma bolsa sobre a mesa. Curioso e sem prudência, Mário manuseou a arma, abriu o tambor e, ao apertar o gatilho “de brincadeira”, o disparo acidental atingiu Ária, que estava em local próximo.
Separando os fatos da ficção
Juarez Clementino destaca o caso de Ária Ramos como um exemplo clássico da distinção entre memória e história. Enquanto a memória, moldada de maneira individual ou coletiva, muitas vezes carece de embasamento em fatos científicos e evidências, moldou a narrativa fantástica que perdurou ao longo dos anos, repleta de lendas, iludindo a recordação compartilhada.
Por outro lado, a história, agora reescrita, é resultado do rigoroso trabalho dos historiadores, que buscam a verdade por meio de fontes oficiais e evidências documentais sólidas.
Comoção na cidade
Ária Ramos era uma violinista talentosa e muito querida na sociedade manauara. Sua morte causou grande comoção na cidade e o caso foi amplamente noticiado pela imprensa local.
Após sua morte, Ária foi eternizada por uma escultura de mármore em tamanho natural, instalada em seu mausoléu no Cemitério São João Batista. A estátua, encomendada por uma comissão de artistas e musicistas da época, retrata a jovem segurando um violino. Até os dias atuais é um dos túmulos mais visitados do cemitério.
Citações do Acusado, Mário Travassos:
Processo judicial
O juiz Hermes Afonso Tupinambá arquivou o processo judicial e, em sua decisão, destacou a ausência de dolo e materialidade na denúncia. Isso significa que o magistrado não considerou que o ato de Mário Travassos tenha sido intencional e configurasse um crime.
Segundo o historiador Juarez Clementino, o processo traz depoimentos de 18 pessoas, entre testemunhas oculares do incidente e pessoas informantes. Esses relatos corroboram a versão acidental do disparo, sem indícios de premeditação ou vingança.
Além do Mistério
Ária Ramos não era apenas uma bela jovem envolvida em uma tragédia, como a memória popular a retratava. Pesquisas apontam que era uma musicista talentosa, integrante de destaque da banda “Paladinos da Galhofa”.
Infelizmente, detalhes sobre sua formação musical e apresentações marcantes continuam sendo reunidos pelos historiadores. Contudo, o impacto que causou em sua época, demonstrado pela comoção social e a homenagem póstuma, revela a importância que a jovem violinista detinha na cena cultural manauara.
Fonte: Portal Meu Amazonas com informações do Tribunal de Justiça do Amazonas
Edição Web: Gláucia Chair