Por Sérgio Augusto
O ano de 2013 foi um marco na história política brasileira, pois a população, indignada com o valor das tarifas de transporte público que havia aumentado R$0,20 (vinte centavos), deu início a uma sucessão de manifestações, nas quais as ruas do país foram tomadas por dezenas de milhares de pessoas. Os brasileiros, protestando inicialmente contra os preços abusivos de tais tarifas, acabaram destravando uma série de outras insatisfações que estavam reprimidas até então pela sociedade, tais como: saúde, educação, habitação e a corrupção principalmente na política.
Mais de uma década após os primeiros atos de rua, o descontentamento continua, porém, o inimigo agora é outro: É JAIR OU JÁ ERA, a luta não é por pautas, mas defender políticos e interesses individuais.
A população, assim como o povo hebreu ao sair do Egito, não soube esperar por Moisés descer do monte, corrompendo-se e sendo idólatras, desviando do caminho ordenado pelo Senhor, comporta-se da mesma maneira nos dias atuais, pois, despidos dos elementos necessários que possam propiciar a retomada econômica e social do país, passaram idolatrar políticos e imputar a estes a salvação da sociedade.
O brasileiro “médio” sempre fala que política não se discute e, talvez por se tratar de uma ciência complexa, acaba polarizando o tema entre direita e esquerda, facilitando, desta forma, cada um escolher seu político de estimação.
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Diante da mais nova convocação para manifestação em “defesa da liberdade e da democracia”, surgem as seguintes indagações: o povo possui o poder para defender esse direito? A defesa será do Estado Democrático de Direito ou do político que convocou a manifestação?
Nossa Constituição Federal assegura que “todo poder emana do povo”, o qual o exerce por meio de seus representantes, base legal do princípio fundamental conhecido como “democracia”, ou seja, o político é eleito pelo povo, do grego “demos”, que passa a exercer o poder; “kratos” em nome do “demos”. No entanto, no sistema político democrático brasileiro, o “demos” não é importante, não faz qualquer diferença a opinião popular ou a presença maciça na manifestação, a democracia dos livros não é a mesma da prática.
Desde as primeiras manifestações até as mais recentes, já na “era dos DepuTAGS” – deputados que só querem “lacrar” nas redes sociais fazendo “memes”, sabe-se que as críticas são as mesmas: “FORA PT!”, “FORA STF!”. Para tanto, estes continuam no poder, ainda mais fortes, sem que a manifestação e a opinião popular tenham modificado a realidade. Desse modo, o político exerce o poder em nome próprio, não em nome do “demos”.
Apenas a Direita acredita nesse engodo
A verdade é que não existe democracia no Brasil, apenas a direita acredita neste engodo. Crer e lutar com as “armas democráticas” dentro das quatro linhas, enquanto a esquerda, sabe que democracia é apenas uma teoria e fica do lado de fora do campo atacando com todas as armas para vencer o jogo democrático que, “dentro das quatro linhas”, está apenas a direita que caiu em tal conto.
Se estarão lutando por uma liberdade que alegam não existir, então, como é permitida a realização de tal manifestação? Que contraditório! Se há manifestação, é porque existe liberdade de expressão, do contrário, isso não ocorreria. Na verdade, o objetivo da manifestação é defender o ex-presidente das acusações de participação no “golpe de estado” e da eminente prisão, através da demonstração de apoio popular. Em suma, mais uma vez o povo será usado.
Cabe refrescarmos a memória curta do “brasileirinho”. O ex-presidente possuiu a única instituição que realmente importa: o “povo” – não na sua totalidade, mas mobilizou milhares de pessoas esperançosas em um projeto de mudança, as quais foram abandonadas e trocadas pelo apoio do “centrão”. Consequentemente, se não fez o que era necessário quando tinha algum resquício de poder e autoridade, não será agora que mudará sua postura de defender tão somente a si.
Ex-presidente nunca lutou pelo Brasil
Nosso ex-presidente e líder da manifestação nunca lutou nem mesmo pelo Brasil, pois na visão dele 1) o sistema eleitoral é uma fraude (algo nunca comprovado por ele mesmo); 2) não há democracia; 3) o STF tomou o poder; 4) o PT é um partido comunista e tem que ser extinto. Diante de tudo isso, o que foi feito em 04 anos de seu governo: nada. A manifestação é uma forma de autodefesa e para postergar a prisão, que está nas mãos do STF.
A vida política da direita brasileira, à semelhança da mitologia grega onde o ”Dólos” personifica a divindade da falsidade, da fraude, do engano, é exercida em total oposição a “aleteia”, que é a verdade, no sentido de descoberta da realidade, e a coerência entre o que é dito e o que é de fato, ou seja, para os líderes da manifestação, o que é dito não é o que de fato acontece.
O ex-presidente, de fato, abandonou todos os que lutaram por ele e foram vítimas de inquéritos e prisões ilegais como: Daniel Silveira, Bob Jeff, Eustáquio, Felipe Martins e, com certeza, fará o mesmo com outros futuramente. Nunca levantou a voz contra tamanhas injustiças e, por fim, no malfadado “08 de janeiro”, abandonou 3.392 “bobos da corte”, como assim por ele foram denominados, aos desmandos da Suprema Corte.
O Ministro do STF, que conduz todos os ilegais inquéritos dos quais ele é vítima, acusador e juiz, age como a personagem “Ofélia” do “Zorra Total” com o bordão: “Eu só abra a boca quando tenho certeza!”, pois demonstra querer primeiro divulgar na mídia todas as motivações que fundamentarão a prisão, divulgando, dessa forma, a narrativa de que houve crime para não haver dúvidas sobre a “legalidade” da mesma, evitando, assim, questionamentos como ocorrem até hoje sobre a prisão do Presidente Lula.
Saia justa
Politicamente falando, os aliados em pré-campanha estão de saia justa para comparecer à manifestação e entrar no jogo do Bolsonaro, que sempre assumiu postura defensiva de se blindar e jogar todos no fogo, sob o argumento de que desconhecia ou não deu ordem para nenhuma ilegalidade. A manifestação será um risco, pode fugir do controle e até descambar para uma operação policial que, no outro dia, acarretará a sua prisão. Tudo isto faz parte do teatro.
A manifestação será um evento político, um ensaio para as eleições municipais que se aproximam e que em 2020 foram deixadas de lado pelo ex-presidente, o qual agora aposta todas suas fichas neste ato que pode ter dois efeitos: inflar seu ego de pseudolíder ou ser preso e abandonado por todos os aliados políticos.
Sendo assim, fiquem em casa. Cuide de você e de sua família, pois político nunca deixará de cuidar dos interesses dele por entender que as relações pessoais estão acima das questões ideológicas e políticas pelas quais foram eleitos.
Sérgio Augusto é Advogado especialista em direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.
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