Há momentos na história política em que a fidelidade cega a um homem se torna incompatível com a lealdade a um país. O Brasil atravessa um desses momentos. Para lideranças conservadoras que pretendem permanecer relevantes no debate público e institucionais, a continuidade do alinhamento a Jair Bolsonaro deixou de ser uma estratégia pragmática e passou a ser um erro de fundo moral e político.
O bolsonarismo deixou de operar como força conservadora para se tornar um enclave iliberal, onde o projeto de nação foi substituído por um projeto de autodefesa de seu líder. Não se trata mais de diretrizes de governo ou concepções de Estado. Trata-se da negação do próprio Estado em nome da salvação pessoal de um homem. O bolsonarismo não é mais um partido — é um álibi.
Bolsonarismo em queda
Edmund Burke, frequentemente citado por conservadores, advertia contra os riscos do poder desenraizado das instituições e do hábito cego de seguir paixões políticas como se fossem virtudes. A política, para Burke, era feita de prudência, continuidade e respeito às tradições que sustentam a sociedade civil. Nenhum desses pilares subsiste sob o bolsonarismo. O que se vê é a corrosão deliberada das estruturas republicanas em nome de um personalismo radical que abomina qualquer limitação legal.
O dilema conservador, portanto, é existencial. Ou suas lideranças abandonam Bolsonaro e reconstroem a legitimidade do pensamento conservador no Brasil — vinculado à defesa da ordem, da legalidade e da autoridade responsável — ou seguirão sendo arrastadas por um projeto que se tornou abertamente antinacional. Não há na história brasileira recente nenhum precedente tão explícito de um ex-presidente que articula sanções contra o próprio país, flerta com a ruptura institucional e transforma o exílio voluntário em gesto performático de martírio.
Subordinação ao medo
A manutenção dessa aliança implica aceitar que o interesse nacional seja constantemente subordinado ao medo de responder judicialmente. Implica naturalizar a chantagem institucional como método. Implica, por fim, abdicar do pensamento político enquanto atividade racional — substituindo-o pelo automatismo de uma lealdade pessoal que se basta.
Hannah Arendt, em A Crise da República, observa que o totalitarismo moderno nasce menos da força dos líderes e mais da capitulação moral das elites. Elas abandonam critérios próprios de julgamento e entregam-se à lógica da utilidade imediata, até o ponto em que já não distinguem o Estado do homem que o comanda. Quando o conservadorismo deixa de conservar instituições para proteger um indivíduo, ele já não é conservadorismo: é servilismo.
Surgimento de uma nova ordem brasileira
A insistência em manter Bolsonaro como figura central do campo conservador impede o surgimento de uma direita republicana, que poderia disputar os rumos do país com base em ideias, propostas e compromissos públicos, não com base em ressentimentos ou em fantasmas conspiratórios. O bolsonarismo bloqueia essa possibilidade porque se alimenta do colapso — das instituições, da linguagem, da confiança social.
Chegou a hora de os conservadores brasileiros definirem a que vieram. A recusa em se dissociar de Bolsonaro não é mais neutra. É uma escolha ativa por manter o país como refém de um projeto de negação da política. É, como diria Max Weber, a perda do senso de responsabilidade em favor da “ética da convicção cega”, onde o que importa já não são os efeitos dos atos públicos, mas a fidelidade ao grupo e ao chefe.
Se há um futuro para a direita no Brasil, ele não passará por quem insiste em tratar um réu como herói. Passará, talvez, por quem tiver coragem de romper com o delírio — e recomeçar a pensar.