Por Carlos Santiago*
Não trazia bagagens. Usava sandálias antigas e roupas desbotadas pelo tempo. As mãos seguravam uma pequena coleção das historinhas do personagem Tio Patinhas, e na mente soavam palavras de incentivo dos amigos: “tem que aventurar, a vida é uma aventura”. Sabia falar como poucos, era um artista com o microfone. Sabia que, num mundo das aparências, o mais importante é a narrativa; a verdade era apenas um detalhe.
Lia os jornais, assistia à televisão, ouvia rádios e passava o dia vasculhando informações nas redes sociais sobre aquele lugar. Tabulava dados, fichava palavras, especialmente os ditos populares. Queria conhecer a dor do povo, os problemas de apelo popular, a vida dos “intelectuais” e o funcionamento dos poderes do Estado.
Ele percebeu um povo com grande carência emocional. Precisava de um novo salvador da Pátria, um líder que lhe dissesse para onde ir. Os líderes e caciques políticos estavam velhos e sem credibilidade. Alguns envolvidos em crimes de corrupção; outros ficaram ricos prometendo aquilo que nunca saiu do papel. Os jovens militantes não passavam de caricaturas de seus pais ou dos tutores políticos.
A maioria dos chamados “intelectuais” apenas escrevia biografias bajuladoras ou entregava e recebia comendas e medalhas daqueles poderosos que sempre ignoravam o clamor popular. Muitos apreciavam óperas importadas; alguns preferiam bandas de carnaval, outros dançavam o boi-bumbá em uma terra de água imprópria para o consumo humano. Quase todos adoravam constar na folha de pagamento do serviço público.
A educação oferecida era péssima, os gestores eram os mesmos, independentemente dos governos. Os alunos não resistiam a um simples exame nacional sobre língua portuguesa nem às operações iniciais de matemática. Professores ensinando com precários salários, discentes indo às escolas para aprender o que os pais não ensinavam: respeito, tolerância e educação como porta para um futuro melhor.
A violência só crescia. A polícia matava, o policial morria. Os homicídios diários assustavam. Mulheres eram estupradas e mortas, jovens eram mortos em confrontos policiais. Uma enorme sensação de insegurança. Facções criminosas tomavam conta dos presídios e dos bairros das cidades. Os ricos se escondiam em condomínios de luxo e escolhiam escolas com seguranças para os filhos. Os pobres moravam em lugares organizados por traficantes e os filhos estudavam em escolas sujas.
Os poderes do Estado passavam por descrédito. O Poder Judiciário era caro, moroso e cheio de privilégios. O Legislativo aceitava todas as mazelas determinadas por outros poderes. Os órgãos de controle de contas só aumentavam seus privilégios. O silêncio e a omissão da maioria dos membros do Ministério Público eram evidentes. O Chefe do Executivo nomeava os amigos e familiares de membros de outros poderes e de órgãos de fiscalização e julgamento.
Depois de uma intensa leitura social daquele lugar e de uma visita a uma igreja cheia de pessoas chorando, onde os líderes religiosos eram ricos e ateus, ele resolveu entrar na política. Acreditava na possibilidade de se tornar o próximo governante. Bastava dizer que era o novo na política, um novo salvador da Pátria que resolveria tudo. Entregaria cargos aos amigos dos poderes e manteria “harmonia” com os órgãos de fiscalização e controle. No entanto, algo lhe faltava: um canal de comunicação. Ele sabia que sua facilidade com o microfone seria um desafio fácil.
*Sociólogo, Analista Político e Advogado.
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