Brasília (DF) – Em uma manobra relâmpago, a Câmara dos Deputados aprovou, na noite de quarta-feira (7), a suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), acusado de participar do núcleo principal da tentativa de golpe de Estado que visava anular o resultado das eleições de 2022. O placar foi de 315 votos a favor, 143 contra e quatro abstenções.
A proposta, apresentada pelo próprio partido de Ramagem e do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi ampliada pelo relator, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), que incluiu outros réus no processo, como Bolsonaro, ex-ministros e militares. O movimento causou reação imediata do Supremo Tribunal Federal (STF), que já formou maioria para derrubar o que classificou como tentativa de interferência indevida do Legislativo no Judiciário.
Votação sem debate e com atropelo
A votação foi incluída de última hora na pauta do plenário pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), logo após a aprovação da proposta pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Motta determinou que não haveria debate, emendas ou destaques, nem pedidos de adiamento. Apenas o relator e o próprio Ramagem poderiam se pronunciar — mas o deputado preferiu o silêncio.
A oposição criticou duramente a medida. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) apontou que a suspensão deveria valer apenas para Ramagem, por se tratar de prerrogativa parlamentar, e não para outros réus sem foro privilegiado, como Bolsonaro. Já o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) afirmou que “Ramagem virou um guarda-chuva para proteger quem não tem imunidade”. O líder do PT, Lindbergh Farias, classificou a decisão como “claramente inconstitucional”.
O que diz a Constituição
Segundo o artigo 53 da Constituição, a Câmara pode suspender ações penais contra deputados apenas por crimes cometidos após a diplomação. Mesmo assim, somente contra o parlamentar envolvido. O STF já havia alertado a Casa que crimes como tentativa de golpe e organização criminosa não poderiam ser suspensos, pois ocorreram antes do início do atual mandato de Ramagem.
Mesmo assim, o relator Alfredo Gaspar sustentou que a ação penal era indivisível e que a suspensão deveria valer para todos os envolvidos. “Quem colocou Ramagem e os demais no mesmo processo foi o STF”, justificou.
STF reage: “Só tiranias fazem isso”
No dia seguinte à votação, o ministro Flávio Dino, do STF, seguiu o relator Alexandre de Moraes e votou contra a tentativa da Câmara de suspender a ação penal. Dino foi direto:
“Somente em tiranias o Legislativo tem o poder de anular ações judiciais.”
O ministro argumentou que nenhum parlamentar pode usar sua imunidade para proteger terceiros, e que a prerrogativa só vale para crimes cometidos no exercício do mandato, não antes da diplomação. Ele afirmou que o Supremo não deve apenas “carimbar” decisões do Congresso, sob risco de ferir a separação entre os poderes.
O que continua e o que foi suspenso
Apesar da tentativa da Câmara, o STF decidiu manter o andamento da ação penal contra todos os réus, incluindo Bolsonaro. A única exceção parcial é no caso de Ramagem, cujos crimes praticados após sua diplomação poderão ser suspensos até o fim do mandato, em 2027.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que o plano golpista buscava invalidar o resultado das urnas e previa até a eliminação física do presidente Lula, do vice Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, com o objetivo de instaurar um Estado de Sítio e romper com a ordem democrática. Todos os acusados negam envolvimento.
📌 Frase de impacto (Flávio Dino, STF):
“Maiorias ocasionais podem muito em um sistema democrático, mas certamente não podem dilacerar o coração do regime constitucional.”