Supremo suspendeu todos os processos sobre pejotização e ouvirá entidades em audiência pública que promete confrontar tradição da CLT com pressões por modernização
STF adia decisão sobre pejotização para outubro
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu adiar para 6 de outubro de 2025 a audiência pública que vai discutir a pejotização no Brasil. O tema, de repercussão geral, pode definir se a contratação por pessoa jurídica em substituição ao vínculo de emprego tradicional é uma forma legítima de flexibilização ou se configura fraude contra direitos trabalhistas.
A decisão do relator, ministro Gilmar Mendes, veio acompanhada de um movimento inédito: desde abril, todos os processos sobre pejotização em curso no país estão suspensos até o julgamento final. O gesto travou milhares de ações na Justiça do Trabalho e abriu um debate nacional sobre o futuro da CLT.
Origem do debate: da terceirização à pejotização
O embrião dessa discussão remonta à Reforma Trabalhista de 2017 e à permissão de terceirização irrestrita, validada pelo próprio STF em 2018. Desde então, empresas de diversos setores passaram a adotar a pejotização como estratégia para reduzir encargos e flexibilizar vínculos.
No entanto, sindicatos e magistrados trabalhistas alertam que a prática muitas vezes mascara relações de emprego típicas, precarizando condições e enfraquecendo a proteção social.
Para Gilmar Mendes, porém, a Justiça do Trabalho tem insistido em “reviver modelos já superados”, tentando preservar “relações jurídicas que desapareceram”. Em suas palavras, a CLT virou uma espécie de “vaca sagrada”, intocável mesmo diante das transformações do mercado.
Juristas divididos: modernização ou fraude institucionalizada?
Especialistas em direito do trabalho enxergam o julgamento como divisor de águas.
Segundo a professora de direito constitucional Ana Paula Vieira, o STF terá que definir limites claros:
“A pejotização pode ser aceita em atividades de alto nível de especialização, mas aplicada a trabalhadores comuns, com subordinação e habitualidade, é fraude. O Supremo precisa dar critérios objetivos para evitar um faroeste trabalhista.”
Já o advogado empresarial Ricardo Monteiro defende que a flexibilização é inevitável:
“O modelo rígido da CLT não acompanha a economia digital. O que está em jogo é a competitividade do Brasil, não apenas direitos trabalhistas.”
Voz dos sindicatos: precarização e ameaça à Previdência
Do outro lado, centrais sindicais como a CUT e entidades como a Anamatra denunciam que a pejotização virou “epidemia da precarização”. Para o presidente da Anamatra, juiz Luiz Antônio Colussi:
“Estamos vendo trabalhadores ganhando menos de dois salários mínimos serem obrigados a abrir CNPJ. Isso é fraude contra a sociedade e compromete a arrecadação da Previdência.”
A Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) reforça que a pejotização, se liberada de forma ampla, pode desmontar décadas de conquistas sociais.
O que pode acontecer em outubro
A audiência pública de outubro será o palco para sindicatos, associações empresariais, magistrados, parlamentares e ministérios apresentarem seus argumentos. Três cenários são possíveis:
- Legalização ampla da pejotização – validação do modelo como legítima forma de contratação, reduzindo encargos trabalhistas.
- Regras condicionadas – reconhecimento da pejotização apenas em atividades específicas, como já ocorre em casos de profissionais liberais e de alta especialização.
- Rejeição da prática – confirmação de que se trata de fraude trabalhista, devolvendo à Justiça do Trabalho a prerrogativa de enquadrar esses vínculos como emprego formal.
Independentemente do resultado, a decisão do STF terá efeito vinculante e deve impactar milhões de contratos em vigor no país.
Análise: entre tradição e modernização
O julgamento coloca frente a frente a tradição da CLT, criada na era Vargas, e a pressão por modelos mais flexíveis de trabalho, típicos da economia digital. A escolha do STF será simbólica: preservar a lógica de proteção do trabalhador ou legitimar um modelo que pode ampliar a informalidade travestida de modernização.
Seja qual for o caminho, o Supremo será lembrado como o tribunal que decidiu se a pejotização é um instrumento de inovação ou de precarização social.
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